Segunda Parte
O Espiritismo experimental: Os fatos
XII
Exteriorização do ser humano - Telepatia - Desdobramento - Os fantasmas dos vivos
O homem é para si mesmo um mistério vivo. De seu ser não conhece nem utiliza senão a superfície. Há em sua personalidade profundezas ignoradas em que dormitam forças, conhecimentos, recordações acumuladas no curso das anteriores existências, um mundo completo de idéias, de faculdades, de energias, que o envoltório carnal oculta e apaga, mas que despertam e entram em ação no sono normal e no sono magnético.
Esse é o mistério de Psique, isto é, da alma encerrada com seus tesouros na crisálida de carne, e que dela se evade em certas horas, se liberta das leis físicas, das condições de tempo e de espaço, e se afirma em seu poder espiritual.
Tudo na Natureza é alternativa e ritmo. Do mesmo modo que o dia sucede à noite e o Verão ao Inverno, a vida livre da alma sucede à estância na prisão corpórea. Mas a alma se desprende também durante o sono; reintegra-se em sua consciência amplificada, nessa consciência por ela edificada lentamente através da sucessão dos tempos; entra na posse de si mesma, examina-a, torna-se objeto de admiração para ela própria. Seu olhar mergulha nos recessos obscuros de seu passado, e aí vai surpreender todas as aquisições mentais, todas as riquezas acumuladas no curso de sua evolução, e que a reencarnação havia amortalhado. E o que o cérebro concreto era impotente para exprimir, seu cérebro fluídico o patenteia, o irradia com tanto mais intensidade quanto mais completo é o desprendimento.
O sono, em verdade, outra coisa não é que a evasão da alma da prisão do corpo. No sono ordinário o ser psíquico se afasta pouco; não readquire senão em parte a sua independência, e quase sempre fica intimamente ligado ao corpo. No sono provocado, o desprendimento atinge todas as gradações. Sob a influência magnética, os laços que prendem a alma ao corpo se vão afrouxando pouco a pouco. Quanto mais profunda é a hipnose, o transe, mais se desprende e se eleva a alma. Sua lucidez aumenta, sua penetração se intensifica, o círculo de suas percepções se dilata. Ao mesmo tempo as zonas obscuras, as regiões ocultas do “eu” se ampliam, se esclarecem e entram em vibração: todas as aquisições do passado ressurgem. As faculdades psíquicas – vista a distância, audição, adivinhação – entram em atividade. Com os estados superiores da hipnose chegamos aos últimos confins, aos extremos limites da vida física. O ser já vive então da vida do espírito e utiliza as suas capacidades. Mais um grau, e o laço fluídico que liga a alma ao corpo se despedaçaria. Seria a separação definitiva, absoluta – a morte.
*
Vamos indicar alguns dentre os fatos à vista dos quais se pode estabelecer que a alma tem uma existência própria, independente do corpo, e possui um conjunto de faculdades que se exercem sem o concurso dos sentidos físicos.
Em primeiro lugar, durante o sono normal quando o corpo descansa e os sentidos estão inativos, podemos verificar que um ser vela e age em nós, vê e ouve através dos obstáculos materiais, paredes ou portas, e a qualquer distância. No sonho sucedem-se imagens, desenrolam-se quadros, ouvem-se vozes, travam-se conversações com diversas pessoas. O ser fluídico se desloca, viaja, paira sobre a Natureza, assiste a uma multidão de cenas, ora incoerentes, ora definidas e claras, e tudo isso se realiza sem a intervenção dos sentidos materiais, estando fechados os olhos, e os ouvidos nada percebendo.
Em certos casos, a visão psíquica durante o sono caracteriza-se por uma nitidez e exatidão idênticas às da percepção física no estado de vigília. Os testemunhos de experimentadores conscienciosos e esclarecidos o demonstram.
O Sr. Varley, engenheiro-chefe dos Telégrafos da Grã-Bretanha, em seu depoimento por ocasião da investigação empreendida pela Sociedade de Dialética de Londres, refere o seguinte fato:liv
“Achando-se em viagem, apeou-se, noite alta, em um hotel, recolheu-se ao aposento e adormeceu. Durante o sono viu, em sonho, o pátio desse hotel e notou que nele trabalhavam uns operários. Tendo-se a si mesmo sugerido a idéia de despertar, logo que se levantou pôde verificar a realidade do sonho. A disposição do pátio e o lugar ocupado pelos operários eram exatamente como o tinha visto em espírito. Ora, era a primeira vez que ele se achava em tal lugar.”
O Sr. Camille Flammarion, em seu livro “O Desconhecido e os Problemas Psíquicos”,lv cita grande número de casos de visão à distância durante o sono. Eis aqui alguns deles:
“O Sr. G. Parent, maire de Wiége (Aisne), assiste, em sonho, a um incêndio que destrói a herdade de um de seus amigos, em Chevennes.
O Sr. Palmero, engenheiro de pontes e calçadas em Toulon, é informado, por um sonho de sua mulher, da chegada inesperada de seu pai e de sua mãe, que ela vê, no mar, em um paquete.
O Dr. P., formado em Direito por Philippeville, refere o sonho de uma dama de companhia de amigas suas. No sonho, ela viu um naufrágio que ocasionou a perda de um navio, e de umas cem pessoas, fato que foi confirmado, no dia seguinte, em todas as suas particularidades.
O Sr. Lee, filho do bispo protestante de Iowa (Estados Unidos), viu em sonho, à distância de mais de 5 quilômetros, seu pai rolar de uma escada. O fato é atestado por várias testemunhas e, entre outras, pelo Sr. Sullivan, bispo de Algowa.
O Sr. Carrau, de Angeres, viu morrer seu irmão em S. Petersburgo, e os filhos, de joelhos, em torno do leito de morte.
Um francês, mecânico em Foutchéou, viu uma noite seu filhinho, que havia deixado em França, morto de crupe, estendido em um móvel encarnado. Narrou o seu sonho a um amigo, que se pôs a rir de sua credulidade. A primeira carta que recebeu era de sua mulher e comunicava-lhe o falecimento nas mesmas condições que ele vira em sonho.
O Sr. Orieux, inspetor-chefe das estradas do Loire inferior, achandose em Cartagena, assiste em sonho às exéquias de sua melhor amiga, cujo trespasse ignorava, a qual residia em Nantes.
O Sr. Jean Dreuilhe, de Paris, percebe, em sonho, a queda mortal que dera, numa escada, o General de Cossigny, amigo de sua família.
O Marechal Serrano anuncia em Madrid a morte inesperada de Afonso XII, no Prado, morte que ele havia percebido em sonho.”
Eis aqui um caso respigado nos “Proceedings” (processos verbais da Sociedade de Investigações Psíquicas de Londres).lvi
“A Sra. Broughton acordou certa noite, em 1844, em Londres e despertou seu marido para lhe dizer que um grave acontecimento ocorrera em França. Ela havia sido testemunha, em sonho, do desastre de carruagem de que foi vítima o Duque de Orleães. Tinha visto o duque estendido em um leito; amigos, membros da família real, chegavam a toda a pressa; o rei e a rainha apareceram e assistiram, chorando, aos últimos momentos do duque. Logo que amanheceu, ela anotou em um diário de lembranças as particularidades de tal sucesso. Passava-se isso antes da invenção da telegrafia, e só dois dias depois é que o “Times” noticiou a morte do duque. Visitando Paris, algum tempo depois, ela viu e reconheceu o lugar onde se dera o acidente.”
Fenômenos da mesma ordem se produzem no sono magnético. Camille Flammarion cita vários exemplos, entre outros o da esposa de um coronel de Cavalaria que, em estado magnético, presencia o suicídio de um oficial, a 4 quilômetros de distância.lvii
O espírito de certas pessoas continua a trabalhar durante o sono, e com o auxílio dos conhecimentos adquiridos no passado chega a realizar obras consideráveis. Disso se podem citar exemplos célebres:
Voltaire declara ter, uma noite, concebido em sonho um canto completo da “Henriade”.
La Fontaine compôs, sonhando, a fábula dos “Dois Pombos”...
Coleridge adormeceu lendo e, ao despertar, lembrou-se de haver composto, enquanto dormia, duzentos versos que apenas teve o trabalho de escrever.
Compositores, S. Bach, Tartini, ouvem, durante o sono, a execução de sonatas que não haviam conseguido terminar de modo que lhes satisfizesse. Apenas despertos, as escrevem de memória.
Em todos esses casos, a atividade intelectual e a aptidão de trabalho parecem maiores no sono que durante a vigília.
Às vezes a alma, desligada dos liames corporais, comunica, por meio do sonho, com outras pessoas, vivas ou falecidas, e delas recebe indicações e avisos.
O correspondente de “Le Matin”, de Paris, Sr. Scarfoglio, enviado especialmente a Messina, por ocasião do terremoto que a assolara, daí telegrafava, em 5 de janeiro de 1909, a esse jornal:lviii
“... Ainda hoje foram retiradas muitas pessoas vivas das ruínas. A esse propósito convém assinalar um caso extremamente comovedor, que ocorreu esta manhã.
Um jovem marinheiro do encouraçado Regina Elena era noivo de uma jovem, que se achava soterrada nos escombros de uma casa. Tendo obtido do comandante autorização para trabalhar, com alguns companheiros, no salvamento da sua noiva e das outras pessoas que ali se achavam igualmente soterradas, o marinheiro fizera obstinadas e infrutíferas pesquisas durante quatro dias. Hoje, no auge do desespero e esgotado de cansaço, adormeceu. De repente sonhou com sua noiva, que lhe dizia: “Estou viva. Acode! Salva-me!” Imediatamente despertou, e pediu com instância aos companheiros que recomeçassem a escavação pela última vez. Seus esforços foram milagrosamente coroados de êxito, pois que ao fim de algumas horas encontrou a noiva e retirou-a viva das ruínas. A moça, que se achava em estado comatoso, apenas salva, recuperou os sentidos e estendeu os braços ao marinheiro, abraçando-o com delírio. Referiu que um sono profundo se havia dela apoderado logo após a catástrofe e sonhara que falava com o noivo algumas horas antes do salvamento.
Aí está um singular e comoventíssimo caso de telepatia. A moça, com lágrimas nos olhos, agradeceu a todos os seus salvadores e assegurou que em breve desposaria o seu noivo e salvador.”
Os “Annales des Sciences Psychiques”, de outubro de 1901, publicaram a descrição de um sonho, referido em 18 de abril de 1908 pelo cura de Domdidier, cantão de Friburgo (Suíça), ao Sr. Rolline, que realizava nessa localidade uma conferência, descrição que este por sua vez transmitiu ao Sr. Camille Flammarion. e cujo resumo é o seguinte:
“Em 1859, o Sr. Doutax, de 18 anos de idade, acabava de se deitar, depois de haver preparado a sua tese de Filosofia para o dia seguinte. Adormecido, teve ele uma visão estranha, que duas vezes seguintes se lhe apresentou. Viu seu pai, que residia a 24 quilômetros de distância e que, da primeira vez, lhe disse: “Meu caro José, tua pobre irmã Josefina está, em Paris, a expirar”, e da segunda vez: “Meu caro José..., mas tua mãe ainda não recebeu a dolorosa notícia.” No dia seguinte, o Sr. Doutax ia a caminho do liceu, quando lhe foi entregue uma carta de seu pai, com a exata confirmação do que ouvira à noite, durante o sonho.”
A revista “Zeitschrift für Spiritismus”, de 9 de julho de 1910, cita o seguinte sonho comunicado pelo Conde Henri Sterkij:
“Um rico proprietário dos subúrbios de Tarnoff perdeu, durante um passeio, 600 florins. Parando numa estalagem, referia esse desagradável incidente ao rendeiro Kuhusteiner, quando um almocreve, chamado Kosminter, que acabava de entrar, lhe perguntou em que circunstâncias perdera aquela soma. Não lhe deu resposta e continuou a conversar com o estalajadeiro, quando Kosminter, espontaneamente, lhe entregou a bolsa perdida. Admirado e reconhecido, o proprietário lhe deu 300 florins como recompensa.
Mas, semanas depois, Kosminter lhe apareceu, ensangüentado, em sonho, e acusou o estalajadeiro de o haver assassinado. Outras duas semanas mais tarde o mesmo sonho se reproduziu, mas com maiores particularidades, e à terceira vez, induzido pela precisão extraordinária das revelações, denunciou o caso à justiça. Kuhusteiner foi preso e, provado o crime, condenado à morte.”
A ação da alma, a distância, sem o concurso dos sentidos, se revela mesmo no estado de vigília, nos fenômenos da transmissão de pensamento e da telepatia.
Sabemos lix que cada ser humano possui um dinamismo próprio, um estado vibratório que varia ao infinito, conforme os indivíduos, e os torna aptos a produzir nos outros e perceberem eles próprios sensações psíquicas extremamente variadas.
As vibrações de nosso pensamento, projetadas com intensidade volitiva, se propagam ao longe e podem influenciar organismos em afinidade com o nosso, e depois, suscitando uma espécie de ricochete, voltar ao ponto de emissão. Assim, duas almas, vinculadas pelas ondulações de um mesmo ritmo psíquico, podem sentir e vibrar em uníssono. Às vezes, um diálogo misterioso se trava, de perto ou de longe; permutam-se pensamentos, demasiado sutis para que possam ser expressos por palavras; imagens; temas de conversação, chamados, flutuam ou voam na atmosfera fluídica entre essas almas que, apesar da distância, se sentem unidas, penetradas de um mesmo sentimento, e fazem irradiar de uma a outra os eflúvios de sua personalidade psíquica.
Os que se amam, assim se correspondem muitas vezes: permutam suas alegrias e tristezas. Mas o coração tem seus segredos que não revela de bom grado. Uma mãe ouve através do espaço os apelos de seu filho infortunado. Somos assediados de mil impressões, provenientes dos pensamentos longínquos dos que nos são caros.lx
Essa teoria apóia-se em provas indiscutíveis:
Recordemos antes de tudo as experiências relatadas nos “Proceedings” (processos verbais) da Sociedade de Investigações Psíquicas, de Londres. O operador e o sensitivo, colocados na mesma sala, mas separados por uma cortina, sem fazer um gesto, sem proferir uma palavra, se transmitem silenciosamente os pensamentos. A mesma experiência foi, em seguida, realizada com êxito, colocando-se o operador e o percipiente, a princípio, em duas salas, depois em duas casas diferentes. A fim de evitar toda combinação fraudulenta, os pensamentos a transmitir eram previamente escritos e tirados à sorte.
O “Daily Express”, de setembro de 1907, divulgou várias sessões de transmissão de pensamento, dadas ao rei Eduardo VII e a outras personagens da Corte por dois sensitivos, o Sr. e a Sra. Zancig. Os resultados foram tornados conhecidos pelo próprio rei e foi principalmente depois disso que a atenção pública se encaminhou, na Inglaterra, para essa ordem de fatos.
O rei submeteu os dois sensitivos às mais difíceis provas, sempre com êxito completo. Ficou evidenciado que a comunhão de pensamentos existia, não uma vez ou outra, mas de modo constante e normal, entre o marido e a mulher. Se, por exemplo, o primeiro lia uma carta, a segunda, a grande distância e com os olhos vendados, percebia imediatamente o seu conteúdo. Tudo o que se comunica ao marido é conhecido no mesmo instante pela mulher. Os dois sensitivos vibram em uníssono. Além disso, a Sra. Zancig deu prova ao rei da sua faculdade de visão psíquica, falando-lhe de coisas que ele tinha a certeza de ser o único a saber.
As experiências feitas pelos psicólogos e magnetizadores são inúmeras e acompanhadas de particularidades tão precisas que seria impossível explicálas como alucinações.lxi
Citemos alguns casos recentes, muitos dos quais são inéditos:
“O Dr. Balme, de Nancy, tinha a seus cuidados a Condessa de L., afetada de dispepsia. Ela o ia procurar em seu consultório, nunca tendo ele, pois, entrado em casa de sua cliente, situada fora da cidade. Três dias depois de uma de suas visitas, a 19 de maio de 1899, entrando em casa e atravessando a ante-sala, ouviu ele distintamente estas palavras: “Como me sinto mal! E ninguém para me socorrer.” Depois ouviu o ruído de um corpo que caia em uma espreguiçadeira. A voz era da Sra. de L.. Procurou informar-se, mas em casa ninguém tinha visto nem ouvido essa senhora. Foi para seu gabinete de trabalho, concentrou-se e, colocando-se voluntariamente em ligeiro estado de hipnose, transportou-se à casa da condessa e viu-a. Acompanhou todos os seus movimentos e gestos, e os anotou minuciosamente.
Quando a Sra. de L. foi novamente consultá-lo, ele lhe comunicou suas impressões, que foram verificadas exatas em todos os pontos e conformes à realidade dos fatos. “Depois de vos terdes recolhido a vosso aposento – perguntou ele – que era o que parecíeis procurar em torno de vós?” “Parecia que alguém me espreitava”, respondeu a senhora.” lxii
A exemplo do Dr. Hilbert e do Sr. Pierre Janet, cujo sensitivo, Léonie, obedecia à sugestão a um quilômetro de distância,lxiii o Dr. Balme tinha o poder de transmitir mentalmente sua vontade a uma senhorita de Lunéville. Obrigava-a assim a vir ao seu gabinete, em Nancy, reclamar os seus cuidados. Um dia, tendo concentrado e dirigido para ela o pensamento, proferiu estas palavras: “Venha; espero-a no trem do meio-dia.” À hora fixada a moça entrava em casa dele, dizendo: “Aqui estou.” lxiv
C. Flammarion, em sua obra “O Desconhecido e os Problemas Psíquicos”, cap. VI, cita o caso de um menino que, na idade de cinco anos, resolvia problemas complicadíssimos e repetia palavras e frases que sua mãe lia mentalmente em um livro. A criança não calculava, o que fazia era unicamente ler no pensamento de sua mãe a solução dos problemas propostos. Desde que esta se retirava, ele era incapaz de obter a mínima solução.
Na opinião do Sr. G. Delanne,lxv os estados vibratórios individuais devem ser classificados em três tipos que ele denomina visuais, auditivos e motores, e pelos quais se explicaria a variedade das percepções nos sensitivos e nos médiuns. Nos sensitivos pertencentes a esses diversos tipos, as impressões produzidas por uma mesma causa revestirão formas diferentes. A ação psíquica de um vivo, a distância, ou a de um Espírito provocará em uns a percepção visual de uma figura de fantasma; em outros, a audição de sons, de ruídos, de palavras; em um terceiro suscitará movimentos.lxvi
As impressões podem igualmente variar nos sensitivos pertencentes ao mesmo tipo sensorial. O pensamento inicial será por eles percebido sob formas distintas, posto que o sentido da manifestação seja idêntico no fundo. É o que temos freqüentes vezes verificado em nossas próprias experiências. Diversos médiuns auditivos percebiam o pensamento do Espírito e o traduziam em termos diferentes.
Esse fato nos demonstra que um grande número de fenômenos telepáticos devem ser incluídos na ordem subjetiva, no sentido de que se produzem unicamente no cérebro do percipiente. Posto que internos, não são contudo menos reais. A onda vibratória, emanada de um pensamento estranho, penetra o cérebro do sensitivo e lhe produz a ilusão de um fato exterior que, segundo o seu estado dinâmico, parecerá visual, auditivo ou tátil.
Sabemos que as impressões dos sentidos se centralizam todas no cérebro. Este é o verdadeiro receptáculo, que arquiva as sensações e as transmite à consciência. Ora, conforme o seu estado vibratório, somos levados a referir as nossas sensações a um dos três estados sensoriais supra-indicados. Daí a variedade das impressões sugestivas percebidas pelos sensitivos.
Eis aqui vários casos inéditos, em que a ação telepática se manifesta por meio de ruídos e visões:
“A Sra. Troussel, cujo sobrenome em solteira era Daudet, parenta do ilustre escritor e residente em Alger, à rua Daguerre, comunica-se telepaticamente, há horas convencionadas, com algumas de suas amigas, cada uma das quais serve a seu turno de transmissor e receptor. Elas estabelecem reciprocamente o processo verbal dos pensamentos emitidos e das impressões recebidas e os comparam em seguida. Perguntas mentais formuladas a distância obtêm respostas precisas: um problema complicado foi resolvido. Na média, sete experiências sobre dez são coroadas de êxito. Às vezes, o pensamento projetado com intensidade produz uma ação física sobre os móveis, fazendo-os vibrar fortemente.
A Sra. Troussel fez a mesma experiência com uma de suas amigas de Marselha. Deviam pôr-se em comunicação na quinta-feira santa, às 8:30 horas da noite. Não sendo, porém, idêntico o meridiano, e sendo a hora de Marselha adiantada em relação à de Alger, ao subir a Sra. Troussel para o seu quarto em busca do insulamento, sentiu-se invadida por um sentimento de tristeza. Um instante depois, tendo-se recolhido, viu aparecer uma jovem de Marselha; junto a ela estava uma criancinha que lhe estendia os braços, sorrindo, e lhe mostrava um raio luminoso que parecia vir do céu. A Sra. Troussel apressou-se em transmitir à sua amiga a narrativa dessa experiência. Suas cartas se cruzaram. A de Marselha continha as seguintes linhas:
“Escolhi a quinta-feira santa, querida amiga, por ser o aniversário da morte de meu idolatrado filhinho. À hora indicada, viestes consolar-me. Pensei, nesse momento, no pequenino ser querido. Pensastes também nele? Eu vos vi subir do pavimento térreo ao primeiro andar. Trazíeis um vestido que eu não conheço (pormenor exato). Coisa singular: pensando em todas essas coisas, eu via ao mesmo tempo a imensidade do mar; o raio luminoso do farol parecia vir do céu e chegava até junto de mim.”
Comunicações escritas têm sido transmitidas, a grandes distâncias, por pessoas vivas exteriorizadas. Aksakof refere os seguintes fatos:lxvii
“O Sr. Tomás Everitt, de Londres, obteve, pelo punho de sua mulher, uma comunicação de um de seus amigos, médium, em viagem para a América.
O eminente juiz Edmonds, de Nova Iorque, refere que dois grupos espíritas, reunidos à mesma hora, em Boston e em Nova Iorque, se correspondiam por seus respectivos médiuns.
Assim também dois grupos de experimentadores, reunidos em Madrid e em Barcelona, se comunicavam simultaneamente pelo mesmo processo. Ao fim de cada sessão, redigia cada um por sua parte uma ata, que era posta imediatamente no Correio. As duas mensagens combinavam sempre fielmente.” lxviii
A “Revue Scientifique et Morale du Spiritisme”, em seu número de janeiro de 1908, cita um fato interessante, extraído das “Memórias” da Sra. Adelma de Vay:
“A Sra. de Vay refere que, durante a campanha de 1866, o Conde Wurmbrandt, seu primo, fazia parte do Exército austríaco. No dia 25 de maio, recebeu dele uma extensa comunicação, em que lhe afirmava ser ele próprio, “seu primo Luís Wurmbrandt”, acrescentando que “estava passando bem, que seu espírito se achava ao pé dela e o corpo no campo, em companhia dos soldados”. A 15 de junho, nova comunicação:
“Esperamos uma batalha... meu corpo está completamente adormecido.” E afirmava estar nela pensando intensamente. A 4 de julho, ainda uma comunicação: “Não duvide da presença de meu espírito... Acabamos de travar uma grande batalha. Vou passando bem.”
No dia 5 de julho, o nome de Wurmbrandt figura na lista dos mortos. Entretanto, a 9 do mesmo mês, a Senhora de Vay recebe uma comunicação de seu primo, assegurando ter “felizmente sobrevivido à batalha de Honig Gratz” e que dentro de três dias lho confirmaria por carta. A Sra. de Vay recebeu efetivamente de seu primo uma carta enumerando, com particularidade, as enormes perdas sofridas pelo seu batalhão, o que explica a errônea suposição de sua morte.”
Todos esses fatos estabelecem de modo positivo, desde esta vida, a ação mental e recíproca de alma a alma e a possível intervenção dos vivos exteriorizados nos fenômenos psíquicos.
Para praticar a telepatia são necessárias duas condições: de um lado, no operador, a concentração e a exteriorização do pensamento. Para agir mentalmente, a distancia, é preciso recolher-se e dirigir com persistência o pensamento ao alvo predeterminado. Provoca-se, assim, um desprendimento parcial do ser psíquico e origina-se uma corrente de vibrações que nos põe em relação com o nosso correspondente. Neste se requer, por sua parte, um grau suficiente de sensibilidade.
Estas condições não se encontram tão freqüentemente como se poderia supor. É preciso criá-las por uma ação demorada da vontade e, em seguida, melhorá-las mediante o exercício cotidiano das faculdades adquiridas.
O Dr. Balme observa lxix que, tendo experimentado com uma senhora de sua amizade, nenhum resultado obteve ao começo. Todos os dias, à mesma hora e durante muito tempo, prosseguiram ambos a tentativa. Os pensamentos trocados foram a princípio contraditórios. Um dia, entretanto, foi percebida uma palavra com perfeita exatidão; depois foram seguidamente transmitidas frases de quatro a cinco palavras. Finalmente, ao cabo de dois anos, conseguiam comunicar-se, a distância, a qualquer hora do dia indiferentemente, começando apenas por bater palmas.
Nessas experiências, como se vê, a perseverança é o elemento essencial de todo o êxito. É preciso, antes de tudo, aprender a fixar os pensamentos. Estes são por natureza instáveis, flutuantes; variam muito amiúde de um a outro objeto. Saibamos mantê-los sob a ação da vontade e impor-lhes um determinado objetivo. É dos mais salutares esse exercício, no sentido de habituar-nos a praticar a disciplina mental.
Uma vez fixado o pensamento e estabelecida a corrente vibratória, tornase possível a comunicação. Chegamos a corresponder-nos telepaticamente, não só com os nossos amigos terrestres, mas também com os do Espaço, porque a lei das correspondências é a mesma nos dois casos. Não é mais difícil conversarmos mentalmente com os seres amados cujo invólucro a morte destruiu, que com aqueles que, permanecendo na Terra, foram afastados para longe de nós pelas exigências da vida. O poder da evocação que vai atingir o ser espiritual, através da imensidade, numa região desconhecida do evocador, é a mais evidente demonstração da energia do pensamento.
*
Às vezes, durante o sono ou na vigília, a alma se exterioriza, se objetiva em sua forma fluídica e aparece, a distância. Daí o fenômeno dos fantasmas dos vivos.
Um dos mais notáveis casos é o de Emília Sagée, professora em Volmar, cujo desdobramento pôde ser inúmeras vezes observado pelas quarenta e duas pessoas residentes no internato.lxx
A esse se pode acrescentar o caso do reverendo Tr. Benning, citado pela Sra. Hardinge-Britten no “Manner of Light”. Seu duplo se transportou a Troy, onde devia realizar urna conferência no dia seguinte, a fim de dar aviso de que uma indisposição o impedia de cumprir sua promessa. Lá esteve e foi visto e ouvido por três pessoas, em uma das quais deu um empurrão. Durante esse tempo seu corpo não havia deixado Nova Iorque.lxxi
Uma jovem criada alemã, de Boston (Massachusetts), acometida de febre acompanhada de delírio, se transportava, em sonho, à casa de sua família, na Europa. Aí, durante quinze noites consecutivas, todos os seus parentes a ouviram bater à porta da casa paterna e viram entrar o seu fantasma. Todos a acreditaram morta; ela, porém, se restabeleceu.lxxii
O “Times”, em sua edição hebdomadária de 1º de janeiro de 1908, consagra um longo artigo a um fato de desdobramento, que teria ocorrido na paróquia de East Rudham. O reverendo Dr. Astley, que aí exercia suas funções, em seguida a um acidente de estrada de ferro, na linha de Biskra, foi conduzido para o hospital dos ingleses, em Alger. Enquanto nele se achava em tratamento, seu fantasma foi repetidas vezes percebido e distintamente reconhecido por três pessoas, particularmente pelo reverendo Brock, vigário encarregado de substituir o Dr. Astley, na paróquia de East Rudham, durante o seu impedimento.
Os mais numerosos testemunhos são fornecidos pela Sociedade de Investigações Psíquicas, de Londres. Essa Sociedade, composta de homens eminentes, erigiu um verdadeiro monumento científico com a publicação do livro “The Phantasms of the Living” lxxiii e a dos “Proceedings”, compilação de narrativas, que formam vinte e dois volumes e abrangem um período de vinte anos de estudos. Essas obras relatam milhares de casos de aparições, observados com todo o rigor que os sábios aplicam ao estudo dos fenômenos e assinalam as circunstâncias e as provas que dão a cada fato o seu cunho de autenticidade e o apoio de testemunhos severamente esmerilhados.
Esses fatos estabelecem de modo incontestável as relações que existem entre a aparição do duplo e a pessoa viva que ele representa.
Não seria lícito atribuir a todos esses fenômenos um caráter subjetivo. Em certos casos, como vimos, só o cérebro do percipiente é impressionado pelas vibrações de um pensamento longínquo, as vibrações que se transmitem ao foco visual e aí fazem surgir a imagem do manifestante. Aqui, porém, na maior parte dos casos, os fenômenos observados não se prestam de modo algum a essa interpretação. Sua objetividade fica demonstrada no fato de serem vistos os fantasmas por muitas pessoas ao mesmo tempo, ou ainda sucessivamente, quando, por exemplo, o fantasma se transporta aos diversos pavimentos de uma casa.
Os fantasmas dos vivos atuam sobre a matéria; abrem e fecham portas, agitam campainhas,lxxiv fazem ouvir acordes em pianos fechados.lxxv Impressionam animais domésticos, deixam sinais de mãos e dedos na poeira dos móveis e, às vezes, mesmo comunicações escritas, que permanecem como uma irrecusável prova de sua passagem.lxxvi
Os desdobramentos dos vivos têm sido comprovados em todos os tempos. Deles relata a História numerosos casos, firmados em valiosos testemunhos.
Tácito refere lxxvii que Basilides apareceu a Vespasiano em um templo de Alexandria, achando-se na ocasião retido pela enfermidade a muitas léguas de distância.
A mística cristã lxxviii registra, como fatos miraculosos, casos de bilocação ou bicorporeidade, em que facilmente reconhecemos fenômenos de exteriorização.
Santo Afonso de Liguóri foi canonizado por se ter mostrado simultaneamente em dois lugares diferentes. Achando-se adormecido em Arienzo, pôde assistir à morte do papa Clemente XIV, em Roma, e anunciou, ao despertar, que, acabava de ser testemunha desse acontecimento. O caso de Santo Antônio de Pádua é célebre. Estando em Pádua a pregar, interrompeuse de repente, em meio do sermão, e adormeceu. Nesse mesmo instante, em Lisboa, seu pai, acusado falsamente de homicídio, era conduzido ao suplício. Santo Antônio aparece, demonstra a inocência de seu pai e faz conhecer o verdadeiro culpado.lxxix
Encontram-se numerosos fatos análogos na vida dos santos, particularmente nas de Santo Ambrósio, São Francisco Xavier, São José de Cupertino, Santa Maria d'Agreda, Santa Liduína, etc.
O ser humano, desprendido dos liames carnais pela prece, pelas elevadas aspirações e por uma vida pura e sóbria, torna-se mais apto a exteriorizar-se.
A possibilidade dessas manifestações acha-se igualmente demonstrada pelas experiências dos magnetizadores, como Du Potet, Deleuze, Billot, por Kerner, Perty, D'Assier, etc.
Convém notar que esses fenômenos não se produzem somente durante o sono. Uma emoção violenta, certas enfermidades, a agonia, a morte, podem provocar o desprendimento psíquico.
O Sr. Camille Flammarion, em “O Desconhecido e os Problemas Psíquicos”, capítulo VII, cita cento e oitenta e seis casos em que moribundos se manifestam, a distância, falando, ou apenas visíveis.lxxx
Na “Revue des Revues” (resposta a Sannt-Saêns) o ilustre astrônomo relata o seguinte fato:
“Uma jovem, ao fim de sete anos de afetuosas relações, se havia separado do homem que amava. Este se casou e ela nunca mais teve notícias suas. Passaram-se alguns anos, quando, em uma noite de abril de 1893, viu ela entrar em seu quarto uma forma humana, que se aproximou e sobre ela se debruçou. Sentiu então, nos lábios, com terror, o demorado beijo de uma boca gelada.. No dia seguinte, cerca de meio-dia, correndo a vista por um jornal, leu a notícia do falecimento e dos funerais do que fora seu amante.”
Publicou o “L'Éclair” de 24 de novembro de 1908:lxxxi
“O comandante de um navio de guerra inglês fazia um cruzeiro nos mares do Sul. Estava, uma noite, encerrado em seu camarote, a fazer cálculos algébricos a giz, no quadro-negro, e em dado momento sentouse à mesa para anotar no canhoto os resultados obtidos. Ao voltar-se, para ler no quadro a última equação, viu de repente aparecer uma mão, com um vago começo de antebraço, tomar a esponja e apagar as fórmulas. Ficou estupefato, imóvel. Uma figura, ao começo nebulosa e indistinta, se tornou visível; era um homem, uniformizado, em quem reconheceu um dos seus antigos companheiros de escola, oficial de Marinha como ele, e que deixara de ver, havia muitos anos. Notou que estava envelhecido. A figura tomou um pedaço de giz, escreveu uma latitude, uma longitude, e desapareceu. O comandante, apenas dissipado o assombro que o tomara, sai rapidamente do camarote, chama os seus oficiais e lhes refere o que acabava de presenciar, mostrando-lhes as indicações inscritas no quadro e fazendo-lhes notar que nunca escrevia, como ali estavam, os algarismos.
Tomaram nota da hora e data e, obedecendo a um mesmo sentimento, fizeram rumo a todo vapor para o ponto do oceano indicado no quadro. Ao fim de cinco dias o alcançaram e durante longas horas cruzaram nas imediações do lugar, situado em pleno mar, a milhares de milhas de toda costa e fora das rotas de navegação. Afinal, na manhã do sexto dia, perceberam ao longe alguma coisa que flutuava, ponto negro no horizonte claro, em que se esgarçavam as névoas matutinas. Ao alcançálo, verificaram ser uma jangada, feita de tábuas apenas reunidas, à qual, sem viveres, sem água, à mercê do mais ligeiro vento, se achavam agarrados três agonizantes – como o referiram quarenta e oito horas mais tarde, quando puderam falar – únicos sobreviventes do naufrágio de um grande navio que se tinha incendiado e soçobrado em pouco tempo. Era seu comandante o oficial que aparecera diante do quadro-negro. O sinistro havia ocorrido no ponto inscrito pelo fantasma e precisamente à hora em que este se tinha manifestado.
O capitão anotou o fato em seu diário de bordo. Pode sem dúvida acreditar-se que ele próprio escrevera, inconscientemente, os algarismos no quadro-negro. Mas é preciso então admitir que ele agiu sob a influência do Espírito de seu antigo companheiro, que estava a morrer nas chamas e lhe transmitiu a latitude e a longitude do lugar em que se produzia a catástrofe.”
Esses casos são múltiplos e jamais se poderia explicá-los pela teoria da alucinação. Neles há relação de causa e efeito. A morte coincide com as aparições e estas são demasiado numerosas para que se possam considerar as coincidências como produto do acaso. As vozes que se ouvem são de pessoas que se acham longe; as visões representam figuras conhecidas; as roupas, verifica-se que são tais quais as que as pessoas vestiam na ocasião. Particularidade digna de nota: cães e cavalos se mostram assustados e inquietos à aproximação dos fenômenos, dos quais parece terem a visão ou o pressentimento, muito tempo antes que sejam perceptíveis ao homem.
Os fenômenos devidos à exteriorização ou ação extracorpórea da alma humana foram estudados com atenção e classificados por Aksakof sob a denominação geral de animismo. Esse erudito observador quis estabelecer uma distinção formal entre esses fatos e as manifestações dos denominados mortos. Tal distinção, realmente, não existe; esses fatos, como veremos adiante, são sempre idênticos quer antes, quer depois da morte. A alma do homem pode, exatamente como a alma desencarnada, atuar sobre médiuns, ditar comunicações, avisos, tanto por escrito como por meio de mesinhas, provocar deslocamentos de objetos materiais, aparecer a grande distância de seu próprio corpo e impressionar chapas fotográficas.
Allan Kardec consagrou um capítulo inteiro de “O Livro dos Médiuns” lxxxii aos estudos das aparições de vivos.
Esses fenômenos, pois, não eram ignorados pelos espíritas, como se tem pretendido, e Aksakof, em “Animismo e Espiritismo”, apenas confirmou o que muito antes dele já havia sido reconhecido.
Experiências mais recentes têm demonstrado a possibilidade, para certos indivíduos, de se desdobrarem parcialmente, de materializarem determinadas partes de sua forma fluídica e produzirem vários fenômenos.
Médiuns, como Eusápia Paladino e Eglinton, têm provocado, a muitos metros de distância e sem contacto físico, o deslocamento de corpos inertes em plena luz e deixado impressões de seus membros fluídicos em substâncias moles: argila, parafina ou papel enegrecido ao fumo.lxxxiii
Não nos seria lícito deixar de mencionar ainda os casos de incorporação de vivos no organismo de médiuns adormecidos. Esse gênero de manifestações introduz quase sempre um elemento de confusão e erro nos fenômenos de “transe” e é preciso uma experiência consumada para os não confundir com as manifestações dos desencarnados. Com efeito, os vivos incorporados em um organismo estranho nem sempre têm a noção perfeita de sua verdadeira situação.
Aqui está um exemplo que demonstra quanto é necessário, no curso de tais experiências, ter sempre a máxima atenção:
Durante três anos consecutivos, pôde o Espírito de um vivo manifestarse, por via de incorporação, no grupo que dirigíamos em Tours, sem que o pudessem distinguir dos Espíritos desencarnados que intervinham habitualmente em nossas sessões. Os pormenores mais positivos nos eram, entretanto, por ele fornecidos acerca de sua identidade. Dizia chamar-se B. e havia sido sacristão da vila de D., na Sarthe. A voz arrastada, o gesto lento e fatigado, a atitude curvada contrastavam com as atitudes e gestos próprios do médium e dos outros Espíritos familiares. Nós o reconhecíamos logo às primeiras palavras proferidas. Punha-se ele então a narrar por miúdo os menores incidentes de sua vida, as admoestações do vigário, por motivo de sua preguiça e das bebedeiras que tomava, o mau estado da igreja e dos paramentos confiados aos seus cuidados, e até suas infrutíferas pesquisas no Espaço, a fim de encontrar a confirmação do que lhe havia sido ensinado! – Tudo nele – propósitos, recordações, pesares – nos dava a firme convicção de estarmos tratando com um desencarnado.
Não pequena foi por isso a surpresa que experimentamos, quando um membro do nosso grupo, tendo ido à indicada região e sido encarregado de proceder a uma pesquisa, nos informou que B. ainda pertencia a este mundo. Tudo o que nos havia ele dito, era, ao demais, exato. Nosso secretário o pôde ver e conversar com ele. Achando-se velho e cada vez mais dado à preguiça e à embriaguez, tivera que abandonar suas funções. Todas as noites, às primeiras horas, se deitava e adormecia profundamente. Podia assim exteriorizar-se, transportar-se até junto de nós e incorporar-se em um dos nossos médiuns, a quem o prendiam laços de afinidade cuja causa se nos conservou sempre ignorada.
Pergunta-se como pode a alma dos vivos chegar a produzir, durante o sono, fenômenos tão surpreendentes quão complexos. Em certos casos as aparições, as materializações, exigem uma força considerável, um profundo conhecimento do que chamaremos a química espiritual; e fica-se maravilhado de que, apenas afastada de seu envoltório carnal, possa a alma apreender as suas leis.
Parece que a energia necessária para produzir esses fenômenos é haurida no corpo físico, a que se acha ligada a forma fantástica por uma espécie de cordão fluídico, seja qual for a distância a que se encontre. A existência desse laço é atestada pelos videntes e confirmada pelos Espíritos. Tão sutil é ele que, a cada sensação um pouco viva que afete o corpo material, a alma, bruscamente atraída, retoma posse deste imediatamente. Esse ato constitui o despertar.
Convém não esquecer que o espírito dirige a matéria. A alma dispõe, a seu talante, dos elementos imponderáveis da Natureza, com os quais constrói, a princípio, o corpo fluídico, modelo estrutural do corpo físico, e depois forma este com o auxílio dos elementos terrestres, que reúne e assimila.
Durante o sono normal, como no sono magnético, o laço que une os dois corpos se afrouxa, sem se quebrar. Os dois invólucros ficam separados. Se, ao afastar-se, o corpo fluídico absorve a necessária energia, pode condensarse, solidificar-se, atuar sobre a matéria, produzir sons, ruídos, tornar-se até visível.
O grande motor em tudo isso é a vontade. Essa faculdade é criadora; e o demonstram os fenômenos de sugestão, mediante os quais a vontade interveniente pode ocasionar profundas modificações no corpo humano. Assim, o Espírito, pela ação mental, pode imprimir à matéria sutil as formas, os atributos, as aparências de trajos, de roupas que permitirão reconhecê-lo. Além disso, na maioria dos casos, o manifestante é assistido por amigos invisíveis, como evidentemente o prova a intervenção do Espírito John King nas sessões de Eusápia, e Abdullah nas de Eglinton, etc. Os habitantes do Espaço em geral possuem experiência e conhecimento mais extenso das coisas desse meio. Grande é a sua força de vontade e eles podem auxiliar eficazmente a produção de certos fatos telepáticos, que o manifestante não seria capaz de realizar sem o concurso deles.
*
Todos os fenômenos que acabamos de descrever pertencem ao domínio das observações. Podem-lhes ser, entretanto, acrescentados fatos de experiência, provocados voluntariamente, e que permitem verificar simultaneamente a presença do corpo material e a do duplo fluídico da alma em dois lugares diferentes.
Aí já não há que recorrer ao acaso nem a coincidências fortuitas. O resultado a obter, previamente indicado pelo experimentador, é alcançado mediante processos e em condições que desafiam toda crítica. São numerosos esses fatos, dentre os quais indicaremos os seguintes:
O Sr. Desmond-Fitz-Gérald, engenheiro, tomou parte em uma experiência decisiva. O Espírito de uma jovem, exteriorizado durante o sono, foi enviado à sua casa e aí se materializou. Sua presença foi reconhecida por diversas pessoas, uma das quais se sentiu tocar pelo fantasma, o que lhe produziu um grande terror.lxxxiv É uma experiência de desdobramento com resultado positivo.
A Sra. De Morgan, esposa do professor a quem se deve a obra intitulada “From Matter to Spirit”, hipnotiza uma senhorita e ordena ao seu duplo exteriorizado que vá bater à porta da rua. As pancadas foram ouvidas por várias pessoas, que abriram imediatamente aquela porta e verificaram que a rua se achava deserta.lxxxv
Podem-se encontrar em certas obras e revistas numerosos casos em que pessoas vivas, evocadas durante o sono, vêm dar, utilizando-se de médiuns, comunicações que encerram provas de identidade.lxxxvi
A esses fatos acrescentaremos os de reproduções fotográficas de duplos ou fantasmas de vivos exteriorizados. O testemunho é em tal caso irrecusável e nenhuma ilusão é possível. Não se poderia suspeitar a chapa sensível de estar sujeita a alucinações.
O professor Istrati, membro do Conselho de Ministros da România, concentrando a própria vontade antes de adormecer, pôde exteriorizar-se, aparecer ao Doutor Hasden, senador romeno, a mais de 50 quilômetros de distância, e por ele se fazer fotografar em espírito. Na chapa distingue-se a imagem fluídica do professor, encarando o obturador do aparelho.lxxxvii
Uma certeza resulta desse conjunto de fatos; é que a alma humana, ao contrário do que pretendem os materialistas, não é uma resultante do organismo, transitória como ele, uma função do cérebro, que se aniquile por ocasião da morte, mas um ser em si mesmo real, independente dos órgãos.
Sua ação se pode exercer fora dos limites do corpo; a alma pode transmitir a outros seres seus pensamentos, suas sensações, e mesmo desdobrar-se e aparecer em sua forma fluídica. Sobranceira às leis do tempo e do espaço, ela vê à distância e se transporta ao longe; lê no passado e pode penetrar o futuro.
A existência da alma se revela, conseguintemente, por fatos. O corpo não é uma condição indispensável de sua existência e se a ele se acha ligada durante a passagem terrestre, esse laço é apenas temporário. Depois de sua separação do organismo físico ela continua a manifestar-se por fenômenos de ordem espírita, cujo estudo fará o objeto dos capítulos que se vão seguir.
O estudo da alma exteriorizada durante a vida nos conduz, assim, ao estudo de suas manifestações depois da morte. As leis que regem esses fenômenos são idênticas. A exteriorização não é mais que uma preparação do Espírito para o estado de liberdade, para essa outra forma de existência em que ele se encontra desembaraçado dos liames da matéria.
Não será dos menores títulos de glória desse Espiritismo, tanto tempo repudiado, o haver ensinado a alma humana a estudar-se em suas profundezas, a entreabrir o espesso véu que ocultava o segredo de sua natureza e de sua grandeza insuspeita